A felicidade já não é o que era?
- Mónica Leal
- 11 de fev. de 2021
- 16 min de leitura
Atualizado: 15 de mar. de 2021

Hoje em dia, os seres humanos tendem a pensar na felicidade como um direito natural, mas nem sempre foi assim que foi sentido. No livro de McMahon (2006), Happiness: a history, o autor demonstrou como o significado da felicidade mudou ao longo do tempo: para os antigos gregos, a felicidade significava virtude; para os romanos, uma dádiva dos deuses que implicava prosperidade; para os cristãos, a felicidade era sinónimo do próprio Deus.
Atualmente, a felicidade significa prazer e bons sentimentos. Apesar das diferenças, existem alguns aspetos que se mantiveram estáveis. Ao longo da história, a felicidade tem sido equacionada frequentemente como, o mais ‘alto desígnio humano’. Paralelamente, a palavra em todas as línguas ocidentais está associada a sorte (como se implicasse que para sermos completamente felizes precisamos de uma pequena ajuda das estrelas) (McMahon, 2006).
Até ao surgimento da filosofia socrática, acreditava-se que a felicidade dependia dos desígnios dos deuses. Essa perspetiva religiosa da felicidade, imperou durante muitos séculos e, em diferentes culturas (McMahon, 2006). Por volta de 300 a.C., na obra “Ética a Nicómaco”, Aristóteles defende a felicidade como a finalidade de todas as ações humanas. Na época do Iluminismo, surge a crença no Ocidente, e em geral no mundo, de que, todo ser humano tem o direito à felicidade. Tal crença, levou à sua integração na Declaração dos Direitos do Homem de França e na Declaração de Independência de Thomas Jefferson (McMahon, 2006).
Ainda assim, no início do século XX, na literatura, na filosofia e até na psicologia, a felicidade era considerada, por muitos, uma condição intangível, ‘uma emoção fugidia’ (Freire-Filho, 2010).
“Existe apenas um único erro inato, que é o de acreditarmos que vivemos para sermos felizes” (…) “Tudo na vida demonstra que a felicidade terrena é destinada a ser reconhecida como malograda ou como uma ilusão”
(Arthur Schopenhauer, in 'A Arte de Insultar')
“… Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...”
(Alberto Caeiro, in O Guardador de Rebanhos)
“…Ficamos inclinados a dizer que a intenção de que o homem seja ‘feliz’ não se acha incluída no plano da ‘Criação’.”
(Freud, in O Mal-Estar na Civilização)
Apesar da evolução do conceito, traduzindo-se em diferentes perspetivas sobre a felicidade, alguns autores mais atuais referem-se à mesma como um estado emocional positivo, da qual resultam sentimentos de bem-estar e prazer (Ferraz, Tavares & Zilberman, 2007).
Relativamente aos estados emocionais, na literatura não é consensual o número de emoções básicas, variando entre cinco a sete (alegria, medo, surpresa, tristeza, nojo, raiva e desdém ou desprezo).
Damásio (1995) refere que as emoções são ‘públicas’, ou seja, observáveis (corpo) ao contrário dos sentimentos que são privados (mente). Darwin (1872) entendia que as emoções resultam da nossa adaptação e capacidade de sobrevivência.
Por terem sido consideradas subjetivas, durante muito tempo, o estudo das emoções foi evitado. Descartes faz alusão às mesmas como separadas da razão e prejudiciais ao processo de tomada de decisão (tudo o que pudesse interferir neste processo era considerado prejudicial). Hoje, sabe-se que as emoções desempenham um papel determinante na comunicação e orientação cognitiva, ajudando-nos a fazer escolhas (Damásio, 1995).
Para Ekman (1992) a felicidade é considerada uma emoção básica. Inúmeras experiências e estados podem gerar felicidade, como por exemplo, a alegria, o amor, o contentamento, o prazer sexual, a serenidade e a segurança. Emoções como, o medo, a tristeza, a raiva e nojo, assim como estados afetivos de angústia, ansiedade e sofrimento, tendem a diminuir o sentimento de felicidade.
Em 1998 deu-se o início do movimento da Psicologia Positiva, quando o psicólogo Martin Seligman, assumiu a presidência da American Psychological Association (APA). Seligman salientou a evolução da ciência psicológica nos últimos anos. Enquanto que nos anos 40, ainda não tinham sido desenvolvidos tratamentos para as doenças do foro mental, nos anos 90 já várias doenças mentais, podiam ser tratadas através da psicofarmacologia e da psicoterapia, no seguimento do estudo das patologias. No entanto, as ciências psicológicas tinham negligenciando o estudo dos aspetos virtuosos da natureza humana (Paludo & Koller, 2007).
Em janeiro de 2000, Seligman e Czikszentmihalyi, dedicaram uma edição especial da American Psychologist, onde realçaram que a Psicologia não produzia conhecimento suficiente sobre as forças pessoais que todos seres humanos possuem e destacaram a necessidade de pesquisas sobre aspetos positivos como, a criatividade, coragem, esperança, sabedoria, espiritualidade, responsabilidade, perseverança e felicidade. Defendem ainda que a psicologia deveria ser capaz de ajudar a compreender que tipo de dinâmicas familiares propiciam a que as suas crianças floresçam, os ambientes de trabalho contribuem para uma maior satisfação para os trabalhadores, o tipo de políticas que levam a um compromisso cívico mais forte e, deste modo como tornar a vida das pessoas mais gratificantes (Seligman & Csikszentmihalyi 2000).
Segundo os autores, a segunda grande guerra, levou a psicologia a tornar-se numa ciência circunscrita a um paradigma da cura e da reparação, dando uma atenção quase exclusiva à psicopatologia e negligenciando o indivíduo realizado e a comunidade próspera.
A psicologia positiva surgiu com o objetivo de direcionar o foco, à construção de qualidades positivas. O âmbito da psicologia positiva, a um nível subjetivo, debruça-se nas experiências relacionadas com o bem-estar, o contentamento, a satisfação, a esperança, o otimismo e a felicidade. A um nível individual, considera as características positivas do individuo, tais como, a capacidade de amar, a vocação, a coragem, a habilidade interpessoal, a sensibilidade estética, a perseverança, o perdão, a originalidade, a espiritualidade, o talento e a sabedoria. Ao nível coletivo, as virtudes cívicas das instituições que possibilitam aos indivíduos uma melhor cidadania, responsabilidade, educação, altruísmo, civilidade, moderação, tolerância e ética de trabalho. (Seligman & Csikszentmihalyi 2000).
Pode-se dizer que houve, por esta altura, uma mudança de paradigma, uma vez, que anteriormente a essência dos estudos fixava-se nos estados afetivos patológicos.
Abraham Maslow (1954) e Carl Rogers (1959), foram psicólogos humanistas, que acrescentaram uma nova perspetiva às abordagens clínicas e comportamentalistas, com uma visão mais holística e positiva da pessoa. As suas ideias não foram reconhecidas como necessárias à Psicologia naquele momento, talvez porque não se tivessem obtido dados empíricos suficientes para dar força a uma visão mais positiva do ser humano. Seligman e Csikszentmihalyi (2000) conjeturam que estes autores e as suas ideias estavam muito à frente no seu tempo. Como legado, o humanismo, conduziu a uma abundância de movimentos terapêuticos de autoajuda.
Hoje em dia, a felicidade já não é concebida como um estado de exceção (Freire-Filho, 2010). Lyubomirsky em 2008 escreveu: “Se você tomar a decisão de ser mais feliz – e compreender que essa é uma decisão de peso, que exigirá esforço, compromisso e disciplina – saiba que é possível fazer isso acontecer. (...) Ser mais feliz é possível, está ao seu alcance e é uma das coisas mais vitais e mais importantes que você pode fazer por si mesmo e pelos que o cercam (...)”.
Ainda assim, a nostalgia é própria da cultura do povo Português, ou, não tivéssemos nós a palavra “saudade” e o fado que canta as mágoas da nação. O Fado, um lamento universalmente respeitado é considerado a alma do povo português. Surgiu há quase dois séculos, nos bairros da classe trabalhadora de Lisboa, e começou por ser interpretado por prostitutas e pelas mulheres dos pescadores, que podiam ou não voltar do mar, ou seja, por pessoas que sofriam (Museu do Fado, 2019). Fado significa “destino” e os portugueses são um povo com raízes culturais na crença, de que o seu destino, por mais cruel que se mostre, está traçado e que não há como fugir dele.
World Happiness Report (ONU)
O Relatório Mundial de Felicidade (World Happiness Report) é uma medição da felicidade publicado pela Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU). Neste relatório é efetuada uma pesquisa histórica sobre o estado de felicidade global, que classifica 156 países através da perceção de felicidade dos seus cidadãos. Em 2019, o relatório concentrou-se na felicidade e na comunidade: como a felicidade evoluiu nos últimos doze anos, com foco nas tecnologias, normas sociais, conflitos e políticas governamentais que impulsionaram essas mudanças. Os dados foram recolhidos entre 2016 e 2018 (Helliwell, Layard & SachsWorld, 2019).
Para explicar a variação da felicidade entre os países, foram consideradas seis variáveis: PIB per capita, apoio social, expectativa de vida saudável, liberdade para fazer escolhas, generosidade e ausência de corrupção. Os países que se encontram com os maiores índices de felicidade tendem a ter valores mais altos para a maioria das variáveis analisadas (Helliwell, Layard & SachsWorld, 2019).
A avaliação do índice de felicidade, do relatório mundial de felicidade 2019, foi feita com base na Cantril Self-Anchoring Striving Scale (Cantril, 1965) que consiste num questionário de autorresposta que pede aos respondentes que pensem numa escada e avaliem as suas vidas atuais de 0 a 10. Em que, 0 equivale a, “a pior vida possível” e 10, “a melhor vida possível” (Helliwell, Layard & SachsWorld, 2019).
Os dados obtidos para Portugal, mostram que houve uma evolução no bem-estar da população nacional em 2019, uma vez que este ano nos encontramos em 66º lugar num universo de 156 países, enquanto que em 2018 ocupávamos a 77ª posição no ranking.
Em relação às variáveis do estudo, o país conseguiu subir em quase todas, em particular no critério que mede a expectativa de uma vida saudável, foi aqui que Portugal conseguiu o ranking mais elevando, alcançando o 22º lugar. Em relação às variáveis, perceção de corrupção e índice de generosidade, Portugal regista o pior desempenho, surgido em 135ª lugar e 122ª lugar no ranking, respetivamente.
Os países nórdicos como a Finlândia, Dinamarca, Noruega, Islândia, Holanda, Suíça e Suécia, lideram o topo da tabela.
A liberdade para fazer escolhas e a generosidade têm grande influência no afeto positivo, levando os autores a inferir que as emoções positivas desempenham um papel importante nas avaliações de vida. Ou seja, a liberdade e a generosidade têm grande impacto no afeto positivo, o que, por sua vez, tem um grande impacto nas avaliações da vida. Indivíduos com níveis elevados de afeto positivo, fazem avaliações de vida mais elevadas (Helliwell, Layard & SachsWorld, 2019).
O afeto negativo é significativamente reduzido pelo apoio social, liberdade para fazer escolha e ausência de corrupção (Helliwell, Layard & SachsWorld, 2019).
Em relação à variável generosidade, os autores do relatório reconhecem que a maioria das pesquisas sobre generosidade e felicidade tem limitações metodológicas. A maior parte dos estudos realizados são correlacionais, o que não permite retirar conclusões causais. Os autores dão como exemplo: se as pessoas que contribuem mais para caridade reportarem maior felicidade, pode ser tentador concluir que fazer caridade aumenta a felicidade. Mas também é possível, que pessoas mais felizes sejam mais propensas a fazer caridade. Ou seja, as pessoas que fazem doações podem ser mais ricas, e a riqueza delas, não as doações, pode fazê-las felizes. Neste sentido apontam a necessidade de mais estudos, com amostras superiores às realizadas até ao momento (Helliwell, Layard & SachsWorld, 2019).
As respostas de mais de um milhão de pessoas em 130 países, pesquisadas pela Gallup World Poll, indicam que a generosidade financeira, que foi medida com o valor doado para caridade no último mês, é um dos seis principais indicadores de satisfação com a vida, em todo o mundo. Várias experiências apoiam a possibilidade de que a relação entre gastos pró-sociais e felicidade pode ser identificados na maior parte dos seres humanos. (Helliwell, Layard & SachsWorld, 2019).
Outro benefício apontado no relatório é o voluntariado. Uma grande quantidade de estudos correlacionais mostrou, segundo os autores, que investir tempo a ajudar os outros está associado a benefícios emocionais para o voluntário. A pesquisa documentou uma associação robusta entre o voluntariado, maior satisfação com a vida, afeto positivo e redução da depressão. É possível que as diferenças demográficas entre voluntários e não-voluntários expliquem as diferenças observadas no bem-estar. Por exemplo, as mulheres são mais propensas, do que os homens, a fazer voluntariado e a obter maior satisfação com atividades comunitárias. Os autores também colocaram a hipótese de que os benefícios do voluntariado são impulsionados pelo fato de que, quem pratica voluntariado, são pessoas mais sociáveis, do que as que não praticam voluntariado. Ou seja, é possível que não exista uma relação única, entre voluntariado e bem-estar (Helliwell, Layard & SachsWorld, 2019).
Apesar de existirem evidências de uma associação confiável entre voluntariado e bem-estar subjetivo em estudos correlacionais, existem poucas evidências de um relacionamento causal. Dada a escassez de estudos experimentais em larga escala, suficientemente capacitados para explorar essa questão, são necessários mais estudos. Descobertas recentes apontam que, indivíduos pertencentes a grupos de risco obtêm maiores benefícios do voluntariado, sugerindo que essas podem ser as amostras mais frutíferas para estudos adicionais (Helliwell, Layard & SachsWorld, 2019).
A relação entre o voluntariado e o bem-estar parece ser universal e transcultural (Helliwell, Layard & SachsWorld, 2019).
Para além de dedicar tempo e dinheiro, existem outras formas de prestar auxílio. Por exemplo, abrir a porta a um estranho, elogiar alguém, cuidar de um familiar doente, consolar um cônjuge ou devolver uma carteira perdida são formas, pequenas, mas significativas, de generosidade. Estas demonstrações de apoio social e amabilidade também podem promover bem-estar para quem as pratica (Helliwell, Layard & SachsWorld, 2019).
Mesmo no local de trabalho, onde a maioria dos adultos passa uma grande parte do seu tempo, os estudos sugerem que o comportamento pró-social e uma orientação pró-social estão ligados a benefícios emocionais e satisfação geral no trabalho (Helliwell, Layard & SachsWorld, 2019).
Ainda que o comportamento generoso possa aumentar a felicidade, existem ingredientes indispensáveis para transformar boas ações em bons sentimentos. É mais provável que as pessoas sintam alegria a ajudar os outros quando: (1) sentem-se livres para escolher se, ou, como ajudar; (2) quando se sentem ligadas às pessoas que ajudam; (3) quando podem observar a diferença causada pela sua ajuda (Helliwell, Layard & SachsWorld, 2019).
Neste ponto, depois de analisada a ligação entre pró-socialidade e a felicidade do dador, os autores questionam se, receber assistência também é benéfico para quem recebe e referem que existe evidencia, que receber apoio social, como por exemplo, motivação por parte de outros, geralmente está associado a um maior bem-estar psicológico e físico. Contudo, outras formas de ajuda, tal como, apoio financeiro, pode ter consequências prejudiciais, pois podem levar a uma perceção de estigma social ou, ameaçar a própria autoestima. Como resultado, é indispensável avaliar quando é que a generosidade pode ser benéfica para ambas as partes (Helliwell, Layard & SachsWorld, 2019).
Considerando os benefícios da pró-socialidade, os autores fazem algumas sugestões de como a mesma pode ser estimulada. A pró-socialidade pode ser ampliada atuando a um nível individual, organizacional e cultural. A um nível individual, a admiração, uma emoção positiva, pode ser desencadeada perante estímulos amplos e expansivos, como por exemplo observar o oceano. A exposição à natureza, pode aumentar a generosidade. Portanto uma maneira de aproveitar estas pesquisas e aumentar a generosidade pode passar pelo investimento em espaços verdes públicos, como parques, trilhos ou praias (Helliwell, Layard & SachsWorld, 2019).
A um nível organizacional, uma vez que as pessoas contribuem mais, para causas de beneficência, quando têm noção de como a sua ajuda beneficiará os desfavorecidos, as organizações e instituições de caridade podem capitalizar essas descobertas fornecendo informações claras sobre seus programas e criar visibilidade para que as pessoas vejam como podem efetivamente melhorar a vida de alvos vulneráveis. Esta informação também poderá mobilizar o apoio de potenciais beneficentes (Helliwell, Layard & SachsWorld, 2019).
Ao nível cultural, foi verificado que este pode moldar as formas e quantidade de ajuda prestada, em todo o mundo. Enquanto que a generosidade parece ser valorizada em muitas culturas, as normas culturais moldam o comportamento, as formas e quantidade de ajudas fornecidas. Segundo os autores, e do que foi retirado das suas análises da Pesquisa Mundial Gallup, foi evidente que as proporções de voluntariado e de caridade diferem, exponencialmente, consoante o contexto cultural (Helliwell, Layard & SachsWorld, 2019).
Afeto Positivo vs Afeto Negativo
Pesquisas sobre o bem-estar tem, consistentemente, revelado que as características e recursos, valorizados pela sociedade, se correlacionam com a felicidade. As características relacionadas ao afeto positivo incluem: confiança, otimismo, perceção de autoeficácia, simpatia, interpretações positivas, sociabilidade, atividade, energia, comportamento pró-social, imunidade, bem-estar físico, lidar eficazmente com desafios e stresse, originalidade e flexibilidade (Lyubomirsky, King, & Diener, 2005). Por outro lado, altos níveis de afeto negativo estão associados a episódios intensos de desprazer. De forma geral, essas pessoas percebem-se como tristes, desanimadas e preocupadas (Watson, 2005).
Segundo Lyubomirsky, King, & Diener, (2005) as evidências sugerem que o afeto positivo, considerado a marca do bem-estar, pode ser a causa de muitas das características desejáveis, recursos e sucessos correlacionados com a felicidade.
Alguns estudos apontam que existe uma tendência estável no modo de perceber e vivenciar afetos (Diener & Larsen, 1984). Pessoas com valores elevados de afeto positivo podem ter momentos em que experienciam afetos negativos, mas, com o tempo, voltam aos níveis anteriores de afeto.
A frequência de flutuação entre o afeto positivo e negativo também varia, algumas pessoas oscilam mais entre o humor negativo e positivo, enquanto que outras são mais estáveis. Gadermann & Zumbo (2007) sugerem que estas variações podem estar relacionadas a traços de personalidade.
Um modelo de personalidade bastante associado a afetos é o modelo dos Cinco Grandes Fatores, também conhecido como Big Five (McCrae & John, 1992). O Big Five é composto por cinco fatores gerais da personalidade: (1) abertura para a experiência (openness to experience); (2) conscienciosidade (conscientiousness); (3) extroversão (extraversion); (4) neuroticismo ou instabilidade emocional e (5) agradabilidade (agreeableness). Os fatores da personalidade mais importantes na predição de afetos parecem ser neuroticismo e extroversão.
Num estudo de 1998, DeNeve e Cooper encontraram as seguintes correlações: afeto positivo e extroversão (r = 0,20), Afeto negativo e neuroticismo (r = 0,23). Num estudo mais recente Fagley (2018), encontrou as seguintes correlações: afeto positivo e extroversão (r = 0,50); afeto negativo e neuroticismo (r = 0,62).
Segundo Lyubomirsky, King, & Diener (2005), a frequência com que alguém vivencia afetos positivos e negativos contribui mais para a perceção de felicidade ou infelicidade do que a intensidade dos afetos.
Pesa mais na balança hedónica experienciar várias vezes durante a vida emoções de alegria, de baixa ou média intensidade, do que vivenciar raramente poucas emoções positivas de alta intensidade. Para o afeto negativo esta relação também é válida.
Bem-estar subjetivo
Os afetos (positivos e negativos) constituem a dimensão emocional do bem-estar subjetivo (BES) (Diener, 1984). O BES é considerado o julgamento subjetivo do quão feliz, as pessoas estão com suas vidas (Diener, Scollon, & Lucas, 2004), e é composto por uma dimensão afetiva e cognitiva. A dimensão afetiva constitui o balanço hedónico entre os sentimentos agradáveis e desagradáveis, como: alegria, prazer, ansiedade, raiva. A dimensão cognitiva inclui a perceção que o sujeito tem da sua satisfação com a vida. Esta avaliação é feita de forma global, considerando vários aspetos: satisfação com o presente, passado e futuro.
O bem-estar subjetivo, como um todo, é construído a partir de julgamentos que as pessoas realizam sobre as suas vidas de um modo geral (Diener, Lucas, & Oishi, 2005). Valores elevados de satisfação de vida estão associados a elevados níveis de afetos positivos e a baixos níveis de afetos negativos.
Como se pode ver na tabela (imagem 1) de C. Zanon et al., (2013) o afeto positivo tem correlações positivas significativas com satisfação com a vida, esperança, otimismo e autoestima.
Imagem 1
Correlações de afetos positivos e negativos com satisfação de vida, esperança, otimismo e autoestima.

Segundo alguns estudos (Bradburn, 1969; Diener & Emmons, 1985), afeto positivo e negativo são fatores independentes. Esta perspetiva tem consequências teóricas e clínicas, uma vez que se pode fortalecer e desenvolver aspetos saudáveis dos indivíduos para aumentar seu bem-estar (fatores de proteção), contrariamente ao foco na redução de seus níveis de afeto negativo (fatores de risco) (C. Zanon et al. ,2013).
Este conhecimento permitiu a perceção da importância no investimento sobre as virtudes e forças pessoais dos indivíduos. Ao existir o conhecimento dos fatores que contribuem para o bem-estar, favorece-se o desenvolvimento de práticas preventivas úteis, para as populações mais vulneráveis ao desenvolvimento de doenças mentais (Ferraz, Tavares & Zilberman, 2007).
O afeto positivo tem correlações positivas com a saúde física; satisfação conjugal e satisfação no trabalho, enquanto que menores índices de afeto positivo estão associados a perturbações clínicas como: fobia social; agorafobia; perturbação de stresse pós-traumático; esquizofrenia; perturbações alimentares e perturbações de uso de substâncias (C. Zanon et al. ,2013).
Estes resultados sugerem que valores elevados de afeto positivo desempenham importante papel para a perceção de felicidade e podem ser um fator de proteção contra psicopatologias (C. Zanon et al. ,2013).
Podemos mudar os nossos afetos?
Albert Ellis desenvolveu em 1955 a terapia racional emotiva comportamental (TREC). Para Ellis, não são as situações da nossa vida que nos incomodam., mas sim as nossas crenças, que causam depressão e ansiedade (Corey, G., 2013). Sentimos da maneira que pensamos.
Ellis criou o modelo ABC (imagem 2), que defende que, mais importante do que aquilo que acontece (A) é a forma como interpretamos esses acontecimentos através das nossas crenças (beliefs) (B) que influenciam como nos sentimos e tem impacto nos nossos comportamentos (C). Discutir/confrontar (D) essas crenças pode resultar em novas crenças/sentimentos e mudanças efetivas (E) nos comportamentos e suas consequências (Corey, G., 2013).
Imagem 2
Modelo ABC de Albert Ellis

A técnica central desta terapia cognitiva, consiste em substituir crenças disfuncionais, por crenças construtivas.
Em suma, se formos capazes de mudar os nossos esquemas mentais, ou seja, os nossos padrões de pensamento, seremos capazes de gerar estados emocionais menos dolorosos e mais positivos.
Aaron Beck foi pioneiro da terapia cognitiva (1972). Beck interessou-se pela depressão e acreditava que a mesma é causada devido a visões negativas e irrealistas sobre o mundo. Segundo Beck, pessoas deprimidas têm uma cognição negativa em três áreas (considerada a tríade depressiva): sobre elas mesmas, o mundo e o seu futuro. Ele encontrou cognições caracterizadas por erros na sua lógica a que chamou distorções cognitivas. Para Beck, os pensamentos negativos refletem crenças e assunções disfuncionais. Quando estas crenças são despoletadas por determinadas situações, um padrão depressivo pode emergir (Corey, G., 2013).
Beck começou por usar a base empírica de Freud, mas nos seus estudos descobriu que, os sintomas da depressão podiam ser melhor explicados através da análise dos pensamentos conscientes do paciente. A partir do aprofundamento da origem desses pensamentos é possível chegar às crenças centrais do individuo. As distorções cognitivas influenciam a resposta emocional, comportamental e psicológica dos indivíduos (imagem 3) (Corey, G., 2013). Surge então o raciocínio teórico da terapia cognitiva, de que o afeto e o comportamento do individuo são amplamente determinados pelo modo como este, estrutura o mundo (cognições/pensamentos) (Corey, G., 2013).
Imagem 3
Modelo Terapia Cognitivo-Comportamental

Conclusão
Em resumo, o que pensamos afeta como nos sentimos e agimos, o que fazemos afeta como pensamos e sentimos e, o que sentimos, afeta como pensamos e agimos.
Alterar perceções negativas, substituindo-as por crenças funcionais positivas, terá impacto nas perceções de bem-estar subjetivo e felicidade.
Não se trata de negar a existência de emoções como a tristeza, que têm um papel essencial, como ficou claro no filme, Divertidamente da Pixar. É a tristeza que muitas vezes promove o consolo e o conforto por parte dos outros, que proporciona a empatia. Ela também se une à saudade, ao contaminar uma memória feliz do passado, demonstrado no filme pelas esferas guardadas num enorme labirinto que simula a forma do cérebro. Como disse, Rita Levi-Montalcini, “não tenha medo de momentos difíceis. O melhor vem deles”.
Carl Rogers (1961), acreditava que o ser humano é dotado de uma natureza essencialmente positiva, e que nos movemos constantemente em busca da autorrealização. Os seres humanos são seres livres e racionais com um potencial natural para o crescimento pessoal.
“A ‘vida plena’ é um processo, não um estado de ser.
É uma direção, não um destino”.
(Rogers, in Tornar-se pessoa, 1961)
Referencias
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